De tantas
coisas que eu poderia escrever sobre o dia 13 de Outubro, dia do
Fisioterapeuta. Preferi calar por aqui... Como publiquei no meu perfil do
Facebook, nada do que pudesse escrever conseguiria descrever o que sinto
por esta profissão. E meio a tantos textos escritos por outras pessoas para lembrar a data, um em
especial eu gostaria de partilhar e gostaria muito que você perdesse 10
minutos do seu precioso tempo lendo o texto abaixo, escrito por um futuro
colega em forma de desabafo:
Encare
esta realidade, seja você um fisioterapeuta ou não: se a Fisioterapia existe é
por determinação e muita teimosia. O instinto de sobrevivência que mantém viva
a minha profissão é quase a mesma de um sujeito desesperado, jogado num rio com
correnteza e que precisa sozinho nadar exaustivamente e lutar pra viver. Achou
dramático? Então leia o texto completamente, prometo te fazer pensar a
respeito...
Se eu
pudesse resumir a Fisioterapia, e isso não é fácil, diria que ela é um misto de
arte e ciência. É ciência porque, através da química, física e biologia, você
começa aprendendo como o corpo funciona em condições normais; depois aprende
como ele funciona em condições adversas como doenças e morbidades; depois
conhece um pouco do que as outras profissões da saúde (medicina, enfermagem,
psicologia, fonoaudiologia, etc...) podem fazer pra resolver essas condições
adversas; e, finalmente, aprende o que você como fisioterapeuta pode fazer pra
cuidar e melhorar a situação e a qualidade de vida do paciente, com ajuda das
mãos (grande ferramenta!) e alguns aparelhos. Parece uma profissão tapa-buraco,
mas não é: existem inúmeras doenças e lesões que só podem ser tratadas
adequadamente com a atuação exclusiva de um fisioterapeuta e mais outra
infinidade de circunstâncias práticas aonde o paciente chega ao fisioterapeuta
quando nenhuma outra área da saúde conseguiu ter sucesso em tratar, melhorar ou
amenizar seus problemas. Eu também a defino como arte porque não é nos livros
que se encontra a “receita mágica” pra tratar de pessoas que precisam da sua
ajuda: um abraço no momento certo, a bronca necessária, a conquista da
confiança, a explicação difícil facilitada por meio de palavras populares, a
conversa de conscientização com os familiares e o apoio dado em horas em que o
paciente perde a fé na própria recuperação; nada disso é aprendido em termos de
“evidência científica”, é tudo questão de auto-inclinação e muita prática.
A verdade é que a Fisioterapia não é aquela clássica profissão de salvar vidas
(embora muitos o façam, sobretudo os que trabalham em UTI e com urgência e
emergência), mas sim a profissão de cuidar de pessoas de carne, ossos, mente e
coração, de diminuir suas dores e seus desconfortos.
Sim, é muito bonito ser fisioterapeuta. Só não é nada bonito o lugar que
ocupamos dentre as áreas da saúde. A atual tabela oficial de pagamentos do
fisioterapeuta ainda é de 1992 e, apesar da salgada anuidade da carteira e
afiliação com o CREFITO (Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia
Ocupacional), pasmem: muito pouco é feito pelos Conselhos Regionais e pelo
Federal em termos de conquista e luta pelos nossos direitos e a sociedade
praticamente desconhece sua existência, sua atuação é mínima e invisível, se
comparada com o CRM (Conselho Regional de Medicina) e o COREN (Conselho
Regional de Enfermagem), por exemplo. Os planos de saúde pagam por sessão (que
varia de 30 a 60 minutos, em média) um valor com mais de 10 anos sem reajuste
que varia entre 6 e 12 reais. É menos do que um pedreiro ou uma manicure ganham
por hora e, sem a menor intenção de ofender tais profissões, é conveniente
lembrar que passamos 4 anos na faculdade (recentemente diminuído de 4 anos e
meio). Quando saímos dela, enfrentamos a desvalorização profissional, o
desemprego generalizado da área, a humilhação e a semi-escravidão em clínicas
particulares ou lutamos por concursos que oferecem 1 ou 2 vagas e, quando
conseguimos um emprego, recebemos de 5 a 12 vezes menos que um médico com carga
horária de trabalho até 30% menor. Isso é um exemplo real: a minha história
profissional.
Como se não bastasse, a Fisioterapia ainda é uma profissão pouco reconhecida
socialmente. Quando o é, adquire caráter de tratamento “adicional”, “opcional”,
“alternativo” ou “de luxo”. Os pacientes ainda acham que só precisam procurar
um fisioterapeuta uma vez por mês, ou quando sobra dinheiro, ou quando
acreditam que precisam relaxar com uma bela massagem, ou quando sobra tempo na
agenda corrida do dia-a-dia, ou quando os remédios já não fazem mais efeito, ou
quando nada mais resolve seu problema e aquela lesão crônica já não tem muitas
esperanças de ser curada. Para sociedade, basicamente, a Fisioterapia é
necessidade de ricos, desocupados ou desesperados por um milagre. Esse
pensamento totalmente equivocado custa caro para o paciente, para suas
famílias, para os empregadores, para os cofres públicos e para a previdência,
pois o que tem de absenteísmo e aposentadoria de gente incapacitada de
trabalhar por dores (que poderiam ter sido tratadas por completo alguns meses
ou anos antes) é quase incalculável. Só que esse dinheiro curiosamente não cai
nos bolsos dos fisioterapeutas...
Esquecendo um pouco a questão financeira, a Fisioterapia é uma profissão de
teimosos apaixonados que lutam contra a real vontade dos pacientes. Você não
vai acreditar, mas os pacientes em sua grande maioria NÃO QUEREM se curar. Ao
invés disso, eles querem SER CURADOS, e existe uma profunda diferença entre as
duas coisas. Com essa cultura capitalista, imediatista e terceirizada, o
paciente se aliena totalmente de sua responsabilidade primária, constante e
ativa sobre sua própria saúde. O que eles realmente desejam são pílulas
milagrosas que curem as consequências de todos os atos irresponsáveis que eles
mesmos cometem diariamente e, de preferência, que seja agora, imediatamente,
já! O que eles querem é deitar confortavelmente sobre uma maca, fechar os
olhos, esquecer que os problemas do mundo existem e transferir a
responsabilidade da cura e manutenção da sua saúde para um terceiro – o
fisioterapeuta – pra que este massageie, alongue, mobilize, fortaleça e
reabilite o que for necessário. E a dor deve sumir, do contrário eles nem
voltam. A saúde do Brasil ainda tem foco na atenção secundária e terciária, ou
seja, tratar a doença/morbidade e reabilitar o paciente para evitar/amenizar as
possíveis sequelas. Mesmo com tanto investimento, muito pouco é feito na base
da pirâmide – na prevenção, educação e conscientização. Como consequência, a
sociedade dá pouco valor à manutenção da saúde e supervaloriza a cura.
Isso torna o já difícil trabalho de um fisioterapeuta no 13º trabalho de
Hércules (seria essa a explicação numerológica do dia do fisioterapeuta?). O
paciente sente a dor e se auto-medica, depois de meses nesse padrão vicioso, o
medicamento perde o efeito e finalmente a ida ao médico não pode ser mais
adiada. Do intervalo entre o surgimento da dor e o encaminhamento pro serviço
de Fisioterapia mais próximo, a lesão que era facilmente resolvida torna-se
crônica e complexa. Como se não bastasse, existe uma recusa enorme em aderir
plenamente ao tratamento, incluindo uma atividade física regular, exercícios e
alongamentos específicos diários, cuidados posturais e auto preservação.
Responda rápido: você conhece quantas pessoas que fazem exercícios
regularmente, cuidam da alimentação, dormem bem e adequadamente e fazem exames
esporádicos de prevenção?
Finalmente, existe outro grande problema: muitos pacientes não desejam a cura e
a melhoria de suas dores. Esse grupo infelizmente nem tão pequeno de pessoas
quer remover seus sintomas, não as causas destes. Isso geralmente acontece
porque, de alguma forma, estar doente ou sofrendo acaba trazendo um benefício
bizarro. Pode ser uma aposentadoria, um repouso pra quem não aguenta mais o
trabalho e às vezes pode ser simplesmente atenção e carinho dos familiares. Ok,
os pacientes podem até querer que suas dores passem, mas apenas no plano
prático das coisas.
A ciência já evoluiu muito na área da neuropsicoimunologia, ou seja, a conexão
existente entre o sistema nervoso de uma forma geral, o sistema de defesa
corporal e a psique humana. Existem diversas evidências de que condições
puramente psico-sociais ruins podem se manifestar em condições físicas ruins,
como dores e os mais diversos sintomas clínicos, que são englobados nas
chamadas doenças psicossomáticas. Além disso, existe um fator psicológico em
qualquer condição adversa à saúde, seja causando, piorando ou interferindo no
processo de uma forma geral. Nesses casos, os pacientes podem aderir bem ao
tratamento convencional medicamentoso, cirúrgico e físico, mas não alcançam a
cura ou melhoria dos sintomas porque não são capazes de resolver seus problemas
familiares, emocionais, afetivos, financeiros, espirituais, profissionais, etc.
Muitos pacientes não melhoram apenas porque não acreditam ser capazes de
melhorar ou porque estão inconscientemente presos à necessidade de estar
doente, seja por algum benefício, por auto punição ou por qualquer outro motivo
oculto. O fato é que os humanos adoecem não só pelo que acontece dentro do que
é real, mas também pelo que é virtual, subjetivo, possível e/ou imaginário. Já
ouvi um caso curioso de uma senhora que acendia velas pra que uma determinada
personagem da novela melhorasse de vida e não sofresse tanto; parece ridículo,
mas parem pra pensar nas consequências que esse tipo de interferência pode
causar na vida de um paciente.
Pra finalizar a reclamação: sabe quem vai passar de 30 a 60 minutos conversando
com o paciente enquanto está avaliando, massageando, alongando, fortalecendo, mobilizando
e reabilitando? Sabe qual profissional da saúde tem tempo e contato suficiente
pra descobrir que tem algo errado com a cabeça, com as pessoas e com o meio em
que o paciente vive, e não só com seu corpo? E sabe quem NÃO TEM esse tipo de
preparo psicoterapêutico adequado na faculdade, pra ser capaz de se proteger
psicologicamente e pra encontrar e identificar as necessidades
neuropsicoimunológicas do paciente? E então, ainda acha que fui dramático no
começo do texto?
Sim, a Fisioterapia anda na contra-mão e vai continuar assim se uma série de
fatores não forem mudados logo, logo. A sociedade precisa conhecer e reconhecer
a importância da Fisioterapia, não só como a brincadeira sem graça de que são
massagistas profissionais: sim, somos excelentes massoterapeutas, mas fazemos
muito mais, indiscutivelmente. Os governantes precisam nos dar um lugar decente
e que já é merecido, não apenas esses cargos “de favor” ou complementares, pois
se a sociedade ainda sofre com os efeitos da nossa ausência, é porque existem
poucos fisioterapeutas atuando por número de habitantes e isso é uma triste
realidade. O nosso próprio conselho deveria atuar muito mais a favor dos nossos
interesses, estar bem mais presente na esfera política do governo e tomar
decisões mais impactantes e ousadas. Se os médicos entram em greve, a população
enlouquece e a mídia se escandaliza; se fisioterapeutas entram em greve, a
sociedade ri alto. É justo?
E, por fim, é necessário muito mais interesse da própria classe em mudar a
própria realidade. Inúmeros fisioterapeutas sentem uma inveja reprimida dos
médicos, mas poucos deles conscientizam-se que é mostrando a nossa atuação e
lutando pelos nossos direitos é que será possível alcançar nosso próprio
espaço. Difamar ou inferiorizar outras áreas da saúde não vai melhorar nossa
situação. Quantos fisioterapeutas fazem valer a pena o que aprenderam na
faculdade? Quantos fazem uma residência decente, se especializam, se atualizam,
fazem cursos complementares, se mantém estudando após a faculdade e antes de
procurar emprego? Quantos fisioterapeutas se recusam a lucrar com “choquinho”,
“gelinho” e “massagenzinha” de 10 minutos, feitos em 10 pacientes por vez,
prejudicando a imagem da profissão e enganando pessoas apenas pra aceitar a
esmola de seis, eu disse SEIS REAIS por sessão? Os que eu conheço, contos nos
dedos, talvez de uma única mão.
No dia 13 de outubro, dia do fisioterapeuta, eu percebi que só comemoro essa
homenagem por amor, um amor que eu nem sabia que tinha pela profissão que
acidentalmente escolhi e pela qual me mantenho apaixonado todos os dias.
Reconheço que não sinto um pingo de orgulho pelos que representam minha classe
profissional de uma forma geral; onde existem tantos maus profissionais; onde a
ética interprofissional é tão pouco praticada; onde existe um fisioterapeuta
oportunista se oferecendo por metade do salário na vaga daquele outro colega,
que foi demitido por organizar uma manifestação a nosso favor; e que ainda
briga pra definir quem é o melhor entre “generalista”, “intensivista”,
“RPGista”, “osteopata”, “hidroterapeuta” e etc. Ainda tenho esperanças de que,
no futuro, a Fisioterapia seja devidamente reconhecida e valorizada, mas até
lá, todos os fisioterapeutas, de qualquer especialidade e qualquer lugar,
precisam entender que o que nos une é muito maior do que aquilo que nos separa.
Pensem nisso...
FELIZ DIA
DO FISIOTERAPEUTA!
Alysson
Furtado Andrade